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Indignação e descrença com a restauração da Macarena em Sevilha: "Deixem como estava".

Indignação e descrença com a restauração da Macarena em Sevilha: "Deixem como estava".

“Esta não é a minha Virgem. Ela se parece um pouco mais com a que estava aqui há uma semana, e certamente não se parece em nada com a que colocaram neste sábado, mas ainda assim não é a minha Macarena; sua expressão é diferente. O que fizeram com a Virgem é injusto.” Essa foi a opinião de Paqui Fernández neste domingo, após deixar a Basílica de La Macarena para ver os resultados de uma polêmica intervenção ordenada pela Irmandade. Essa intervenção gerou indignação generalizada entre os devotos desta imagem e, por extensão, entre os sevilhanos. Eles estão indignados porque as mudanças afetaram sua expressão, a ponto de, para muitos, seu rosto não ter nada a ver com aquele que fez de La Macarena um ícone de Sevilha. No entanto, a indignação foi muito mais contida do que a expressa pelos fiéis que haviam comparecido à igreja no dia anterior. Em 24 horas, e diante da comoção e pressão geradas nas redes sociais e da saída dos fiéis do local, a Virgem passou por duas cirurgias para substituir os cílios (ao meio-dia) e devolver o tom mais avermelhado às bochechas (durante a noite).

"A Virgem da Macarena pertence ao povo de Sevilha, não à Irmandade. É um bem pessoal, e por isso é muito delicado tocar em qualquer coisa." É assim que Juan Manuel Miñarro, criador de imagens religiosas, restaurador, professor aposentado de escultura da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Sevilha e membro da Real Academia de Belas Artes de Santa Isabel da Hungria, descreve o impacto que a intervenção na Virgem teve na cidade, que vai muito além das circunstâncias técnicas ou artísticas por trás do retoque do rosto e de outros elementos da imagem, que se deterioraram bastante com o tempo, da exposição à fumaça de velas e das exibições durante o culto e as procissões.

Foi justamente essa circunstância que levou a Irmandade a concordar com "uma ação de manutenção e conservação" dessa talha, realizada durante a segunda semana de junho, por um período de quatro dias na própria Basílica, por uma equipe da Universidade de Sevilha, liderada pelo professor de Conservação e Restauração de Obras de Arte da Universidade de Sevilha, Francisco Arquillo Torres, que havia apresentado um relatório preliminar sobre o estado geral da imagem, no qual se afirmava que ela estava boa e não necessitava de intervenção extensa ou imediata, conforme relatado pela Irmandade em 10 de novembro. Na década de 1980, Arquillo começou a trabalhar nas restaurações dessa talha do século XVII atribuída ao círculo de Pedro Roldán e, segundo estudos recentes, à sua filha La Roldana.

Veneração da Virgem de La Macarena em sua Basílica após ser restaurada.
Veneração da Virgem de La Macarena na Basílica após a sua restauração. Alejandro Ruesga

O trabalho de conservação deveria se concentrar, segundo o que foi dito aos irmãos, em "elementos superficiais", mas todos os restauradores e imageadores consultados por este jornal concordam que o resultado — especialmente o mostrado no sábado passado — com seus cílios mal ajustados e muito longos e um rosto excessivamente pálido, transcendeu as meras tarefas de uma "intervenção de conservação", tornando-se claramente um projeto de restauração. "Limpar a policromia é muito mais do que uma mera tarefa de conservação", alerta Pedro Manzano, especialista em conservação e restauração de obras de arte. "Quando você limpa uma imagem, já a está restaurando, e isso requer mais de uma semana de trabalho", alerta outro prestigiado restaurador que pede para não ser identificado por desconhecer todos os detalhes dos relatórios que levaram a Irmandade a encomendar o trabalho de manutenção e o que ele realmente envolveu. "Uma restauração requer pelo menos três ou quatro meses, não uma semana, e uma equipe de profissionais multidisciplinares por trás", acrescenta.

A Virgem de La Macarena, depois de restaurada.
A Virgem de La Macarena, depois de restaurada. Alejandro Ruesga

“A Virgem não é a mesma”, admite Miñarro. Dois aspectos chamaram mais a atenção quando a imagem foi reinstalada na Basílica no último sábado: os cílios e o desaparecimento da pátina avermelhada característica que envolve o olhar da Macarena e confere ao seu rosto aquela expressão de cansaço. “A primeira impressão foi que os cílios não estavam posicionados corretamente e estavam muito longos. Os cílios são o que dão expressividade a um rosto devoto, e sua expressão havia mudado”, explica a restauradora Ana Cordero. “O grau de limpeza do rosto também foi surpreendente”, acrescenta.

Opacidade
A Virgem de La Macarena em Sevilha, nesta segunda-feira, depois de ser restaurada.
A Virgem de La Macarena, em Sevilha, nesta segunda-feira, após ser restaurada. Alejandro Ruesga

Foram precisamente esses dois aspectos que a Irmandade retocou em mais duas restaurações rápidas nas 24 horas seguintes. No sábado, ao meio-dia, a igreja foi fechada para a substituição dos cílios — "para corrigir um efeito indesejado causado pelos cílios substituídos durante o procedimento", explicou a Irmandade em um tuíte. À noite, o trabalho foi feito novamente no rosto, restaurando um pouco da cor avermelhada ao redor dos olhos e bochechas. "A Irmandade foi extremamente precipitada em devolver a imagem ao culto. Deveriam tê-la estudado primeiro, analisando o impacto que teria no público. A Irmandade enfrentou essa situação com grande apreensão", afirma Miñarro.

Todos os especialistas também questionam o fato de que, em menos de 24 horas, a Irmandade tenha reelaborado um projeto que ela mesma havia encomendado e defendido. "Isso mina a credibilidade desse trabalho anterior. A Irmandade não foi clara; não estabeleceu uma metodologia de trabalho", afirma o curador, que prefere permanecer anônimo. "Eles terão que dar explicações", acrescenta Cordero. Este jornal tentou, sem sucesso, contatar os responsáveis ​​para obter sua opinião. Esse sigilo, tanto antes quanto depois, quanto ao conteúdo do trabalho realizado na Virgem e como ele foi realizado, é outra das principais críticas levantadas pelos especialistas consultados. Nesse sentido, a Irmandade não esclareceu se os retoques realizados na noite de sábado para domingo foram realizados por curadores da equipe de Arquillo ou por outros.

“Quando realizamos uma restauração, e especialmente no caso de La Macarena, que é uma imagem universal, deveria ter sido criada uma comissão com especialistas de todos os setores do mundo da arte para determinar como abordar a obra e o que fazer”, diz Manzano. José Antonio Navarro Arteaga, um dos mais importantes imagenólogos religiosos contemporâneos de Sevilha, introduz outro elemento controverso entre os especialistas em arte sacra: quem deve liderar a restauração das imagens sevilhanas. “A equipe deve ser multidisciplinar, mas deve ser liderada por imagenólogos religiosos, que são os que conferem às imagens a mística que elas devem ter; os restauradores se dedicam à sua conservação”, ressalta.

"A equipe que trabalhou na manutenção deve apresentar um relatório de restauração, com um antes e depois", acrescenta Miñarro, que, no entanto, ressalta que a Macarena já teve outras intervenções e outros conjuntos de cílios no passado, "dependendo da moda", e que cada modificação, "mesmo quando sua roupa é trocada", gera polêmica.

“Mesmo que se pareça mais com ela, esta ainda não é a Macarena que tenho em casa, nas minhas imagens religiosas. Que a levem o tempo que for preciso, mas que a deixem como estava”, afirmou Lucía Redondo na tarde de domingo, ao sair da Basílica, enquanto o grupo de amigos que a acompanhava assentia em concordância. “Quando se trabalha numa imagem, ela tem de permanecer exatamente igual”, confirma Navarro Arteaga. O escultor admite que a Virgem precisava de trabalho — “a ferrugem do verniz teve de ser removida” — e que, com os reparos de última hora, “a imagem está muito próxima do que era antes”, mas destaca a pressa dos responsáveis ​​e a falta de transparência. “A Virgem pode voltar ao seu estado natural, mas isso leva tempo”, alerta.

Os organizadores de uma manifestação nas redes sociais para protestar contra os resultados da intervenção apelaram à restauração deste estado natural e à insatisfação com a falta de clareza da Irmandade em relação ao trabalho realizado em uma das imagens mais conhecidas da cidade. "É como se alguém tivesse feito uma cirurgia plástica", diz María, ao lado de Lucía Redondo.

EL PAÍS

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